quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Pensamentos insanos e via dupla...

Texto com pretensão de ser um conto...viagens insanas de uma professora de literatura metida a escritora...


Pensamentos insanos e via dupla

           O andar calmo e um assovio melodioso de uma conhecida balada dos anos 80 davam ao homem uma característica distinta. Óculos escuros, cabelos negros sobre os olhos, corpo viril e uma mente abarrotada de pensamentos. Era em si um paradoxo andante, circunspecto, indiferente.
         Os sons de carros apressados eram como gritos em sua cabeça cheia de imagens revoltas. Sinal verde. Atravessou a rua tranquilamente enquanto tirava o objeto do bolso esquerdo de sua jaqueta de couro sintético. Aproximou-se do 1º carro de uma fila interminável e viu seu reflexo no vidro. Aquela cicatriz na testa lhe trazia velhas lembranças desagradáveis. O cheiro forte que vinha de todos os lugares embaralhava seus sentidos enquanto uma jovem passava por ele, despreocupada, como todos os que ele conhecia, exalando um perfume barato que lhe deu náuseas. “Conhecemos bem as pessoas pelas escolhas simples que fazem todos os dias... perfume barato, vagabundo, facilmente comprado com meia dúzias de palavras convincentes e certamente descartáveis após uma hora de prazer ordinário.”. Balançou a cabeça levemente e afastou aquela imagem deprimente.
          Abaixou-se lentamente e um barulho seco fez com que sorrisse de canto. Enfiou gravemente o velho canivete de cabo vermelho no pneu do veículo e ouviu o ar se esvair como num sopro final de vida. Pessoas iam e vinham em ambos os lados da rua, de todas as formas, com todo o tipo de pensamento e ninguém o via realmente. Mas o seu próprio pensamento naquele instante era o que se destacava, era supremo, era infalível, era genial, quase revelador. Mais alguns metros e novamente o som da lâmina penetrando a borracha. Atrás de si pelo menos seis carros foram atingidos enquanto continuava sua rotina programada.
          Viu o sinal vermelho. Parou. Olhou para os carros transitando. Sentiu agonia por estar preso em seus devaneios. “Afinal, onde mais eu estaria?”. Tinha que continuar, calar as vozes que o levavam ao desfecho daquele dia tão incomum...
          Atravessou a rua. Cruzou com uma mulher elegante num vestido vermelho. Altiva e penetrante, seu olhar se perdeu alguns instantes no jovem que agora cantarolava uma música qualquer. Tirou os óculos e olhou-a profundamente, libidinosamente. O andar daquela mulher o fez lembrar como era bom estar com alguém desafiador... mesmo assim seguiu seu caminho, tinha uma tarefa a cumprir antes do prazer leviano.          
          No outro lado da rua, ouviu o som irritante das sirenes e as cores fulgurantes iluminando seu plano. Era uma questão de tempo, nada mais. Parou numa banca de revistas e comprou um jornal, sabia que não o leria, não tinha paciência para tanta droga acontecendo no mundo, as suas eram mais que suficientes para aquele dia. Dobrou cuidadosamente o objeto que tirara do outro bolso nas folhas e, como um presente preparado, levou-o nas mãos sem movimentos bruscos.
          Pessoas entravam e saíam daquele prédio. Homens fardados, mulheres espancadas, indivíduos algemados... e riu novamente.
          Não levou mais que dez minutos quanto entrou firme e decidido na delegacia. Saiu mais leve, sentindo no peito o dever cumprido e a mensagem entregue. Saiu incógnito, mais um desconhecido comum que participa do circo degradante da vida. Mas naquele instante, com aquela pequena caixa borrada com respingos rubros frescos, embrulhada em um jornal de 5ª, o espetáculo seria diferente, seria inesquecível para a plateia desavisada.
          Saiu do edifício com um sorriso malicioso e vitorioso ao mesmo tempo.
         Enfiou as mãos nos bolsos e continuou assoviando a sua velha canção. O que se ouviu depois foram gritos, conversas nervosas, chamadas de rádio pedindo reforços, patrulhamento se juntando, olhares assustados, alvoroço geral; sons inconfundíveis, perfeitos para os ouvidos do jovem que virava a esquina para não ser mais visto...
By Léiah Val. Laverny

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