quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A chave...

Eu não queria, eu não devia, mas eu fiz, eu olhei pelo buraco da fechadura...
e vi um mundo todo se abrir diante de meus olhos.



          Era estranho estar aqui, assim tão só, sentindo tão forte o vazio do lugar... Memórias vinham, mesmo que não quisesse, elas eram habitantes daquele espaço desde sempre, desde o dia que a fizemos... uma lembrança num beijo. Daí pra frente, era uma questão de oportunidade, e as lembranças se pluralizavam. Por isso a dificuldade em voltar ali. Sem luz, sem cheiro, sem vozes, sem as risadas que sempre me deixavam feliz...

          Andei pelos cômodos, tudo intocável, o mesmo vaso com lírios na beira da cama – agora murxos -; os lençóis ainda remexidos da última vez que estivemos deitado nela, aconchegados. Há uma semana, antes do acidente, antes do mundo desabar...mas naquele ínfimo momento, voltava, estava diante dele, rindo, seu abraço me protegendo, fazendo com que eu soubesse o quanto era especial...Nós dois deitados, acordados há tempos, mas era prazeroso conversar e rir e brincar com o dia que ainda nem tinha começado direito.

           Fui até o criado e abri a gaveta. Havia papéis misturados, ele sabia como me irritar com aquela bagunça, e um envelope lacrado endereçado a mim. Peguei-o, senti as letras escritas a caneta, era a letra dele, com a força impressa no papel...não tinha como não deixar uma lágrima rolar...era direito.

          Saí de lá com o peito ardendo, o coração disparado e uma agonia de dor e saudade que me fez perceber que viver sem um propósito não era viver, qualquer coisa, menos viver...era simular uma vida, apenas. Sentei-me nos degraus e levemente passei os dedos nas letras tão bem feitas, era hora, eu sabia. Rasguei o envelope e o perfume dele tomou conta do ar...sorri, sozinha, nas escadas que um dia fizemos amor escondidos...éramos assim, espontâneos, vivos, loucos, loucamente apaixonados.

          Ler aquelas palavras não era um alento, mas ajudava a não enlouquecer. Nunca imaginei que havia escrito aquelas palavras, nem que eu fosse tão importante assim em sua vida...talvez tenha perdido os sinais e aquelas palavras me mostravam todos eles...Como era estar comigo, sentir minha pele, respirar-me...ter no olhar o brilho que iluminava seu caminho e sempre que me olhava sabia que estava no lugar certo, com a pessoa perfeita...não era fácil ler isso, ainda mais pq eu nunca me senti assim, sempre fui muito mais dependente do amor dele do que imaginei que ele fosse do meu...mas ele não dependia de mim, ele era parte de mim, eu era parte da história dele e junto teríamos a melhor de todas!

          Finalizei a carta e ainda no envelope senti um objeto, era uma chave. Rodei pelos dedos, fria, antiga, misteriosa. Nem imaginava o que iria abrir, mas nem me importava naquele momento. Meu coração estava fechado e chave alguma iria torná-lo menos machucado. Aliás, eu precisava daquela dor, precisava sentir algo para poder continuar e esquecer, por momentos que fossem, o seu rosto frio, inerte, envolvido pelos crisântemos e velas...todos me tocando, me abraçando, me dizendo coisas sem sentido...e eu só via nossos corpos abraçados, encaixados enquanto dormíamos, éramos a mais bela simetria que um sentimento pode permitir....aquelas pessoas, quem eram? Porque choravam? Poque me olhavam daquela forma?

          Levei um tempo para processar tantas coisas, a perda, a vida, a ausência, a eternidade que era imaginar uma existência, breve que seja, sem ele. Mas era o que faria, iria viver, ou sobreviver, a tudo aquilo. Precisava, por ele, por mim, por nós...não iria deixar aquela história morrer em mim, ela vai se tornar minha salvação, minha paz quando tudo mais estiver desmoronando.

          Me levantei, guardei a carta e a chave na bolsa, dei uma última olhada no apartamento e segui, enxugando as lágrimas e pensando no quanto havia sido feliz...


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          Sentada na cadeira macia do quarto via a chuva bater violenta na janela, era uma revolta dos elementos, o ar pesado, a terra trêmula, o fogo que consumia o corpo sem esperança. E continuava a passar a velha chave pelos dedos, sem razão aparente, sem motivação qualquer, apenas cumprindo um rito de indiferença com o objeto que ele tocou. Tocou o objeto e meu corpo não sente mais seu toque carinhoso, forte, seguro. A chave era uma forma de ainda estar perto dele, do meu único amor, da única pessoa por quem senti algo mais forte, mais intenso, que eu chamo de amor, paixão vibrante e aquele choque passava pela chave, sentia que era importante, sabia que deveria encontrar o que ela abriria, talvez assim conseguiria fechar aquela porta de dor e memórias pungentes...

continua...

By Léiah Val. Laverny & Anissa Baviera 

Um comentário:

  1. As vezes,todos precisamos de umas chave para relembrar algum momento,para abrir algo para e fechar outro.Pois quando cair no mar do esquecimento aqueles momentos algo nos de um flash back.
    By Gustavo

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