domingo, 12 de fevereiro de 2012

O baú...

 O intangível se desprende na presença do provável...
mesmo que seja impossível.



          "Uma coisa que sempre admirei na vida foi a ignorância, pequena.". Era o que dizia Mosi. Claro que em sua indulgência irônica ele tinha razão, não saber é uma benção, a dor que a clarividência dos fatos provoca pode ser demais. Como agora, sabendo que nada mais restou, apenas vestígios do que um dia havia sido. Mas segui em frente, mesmo com os olhos salpicados de vermelhidão e o coração machucado, segui em frente.
          Parar diante daquela porta não era fácil, ainda mais naquele dia em especial. Nuvens fortes no céu, parecia que desabaria, minha esperança era que não fosse em mim, já tive minha cota de 'desabamentos' em vida. A brisa não era amigável, o vento remexia meus cabelos e um frio tomou conta de mim...ou seria apenas uma expressão para representar que não estava viva de verdade? Andava, falava, chorava...sim, estava viva, porque, em minha experiência isso era viver - sofrer o inferno e ainda achar que estava no paraíso por ter o direito de aprender. Novamente, ainda acho que a ignorância é uma benção, às vezes.
          A porta rangeu, o cheiro forte de tempo me fez fazer uma careta. Poeira, teias sem suas aranhas, lembranças...objetos cobertos por uma grossa camada de descuido e abandono. Vivi um dia ali, como deixei que ficasse com aquele aspecto? Olhei vagamente ao redor, precisava ir para o primeiro andar, lá estava o que eu havia ido pegar. Aquela caixa. O que sobrou de mim, de minha história e nem ao menos sabia o que havia nela. Pensei nas últimas horas em tudo, menos o certo, isso era verdade. Vó Missia nunca me deixava perto daquele estranho baú de carvalho envelhecido e com desenhos entalhados. Era meu sonho de conquistador, ser o pirata que tomaria o tesouro de minha curiosidade do quarto de minha velha avó. Ela sempre sorria quando me olhava, certamente imaginando o que passava pela minha mente quando via o baú.
          E lá estava eu, pronta para abrir os segredos dela. Me senti meio criminosa, como se aquela situação estivesse em algum código penal e com sentença já estipulada: a perdição. Mas foi o desejo dela, que em sua morte me tornasse a portadora daquela caixa e tomasse as decisões que me conviessem. E quando abri a porta do quarto senti nos ossos o medo, a saudade, a velha infância perdida pela vida que não nos dá tempo de viver conforme. Os objetos no mesmo lugar, a cama bem arrumada, a penteadeira com algumas jóias espalhadas, nada dizia que a antiga moradora não voltaria. Dentro do guarda-roupa velho, mas bem cuidado, estava a caixa, deixada no alto, bem visível. Peguei-a com cuidado e reverência, senti os antigos sentimentos infantis voltarem, a excitação, e ao mesmo tempo o remorso por sentir tudo aquilo.
          Tirei a chave do bolso, coloquei na diminuta fechadura dourada e ouvi um clique. Estava aberta. Os segredos revelados. E tive medo de olhar, não queria saber, não agora, não desse jeito, não sozinha, definitivamente. "Um dia você olhará para o espelho de cabo de marfim e verá a si mesma, como realmente é" ela me dizia enigmática. O que significava aquele jogo de óbvio eu não imaginava. Mas lá estava o misterioso espelho com cabo de marfim, lindo, perolado, intacto. Toquei de leve e percebi outros objetos, uma gargantilha, um pingente brilhoso, ouro talvez? Umas cartas gentilmente amarradas com uma fita envelhecida, fotos antigas, e um anel de rubi, perdido entre folhas soltas de um velho diário. Não entendia o que eu faria com aquilo tudo, ou o porquê de estar ali. Já não sabia mais o motivo, parecia tudo meio nebuloso naquele instante.
          O anel era lindo, isso eu posso dizer, com todo o seu esplendor. Mas foi o espelho que me chamou a atenção. Virado para baixo, inerte, me atraiu violentamente, como se fosse por ele que eu estaria ali naquele lugar. Minhas mãos trêmulas e já cansadas o pegaram com esforço, parecia pesar uma vida. Uma mexa de cabelo branco apareceu junto a uma face desgastada e cansada. Como eu poderia ver as coisas como eram? Mas me esforcei, precisava encontrar o que procurava. E lá, diante do reflexo, vendo minha imagem entendi o quanto eu perdi um tempo valioso tentando entender a vida que simplesmente nos vem para ser vivida. Se aproximou de mim, pelo reflexo, meu amor mais amado, meu marido com olhos jovens e um jeito típico de um homem que se destaca em seu terno feito em alfaiate particular. Deu-me um beijo no rosto e se despediu. Vi se afastando e passando a mão nos cabelos da criança que entrava sorrindo pelo quarto, olhando aquele baú e imaginando que era um pirata prestes a pilhar um tesouro inimaginável...

By Léiah Val. Laverny & Bavi

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